segunda-feira, 30 de maio de 2011

ESPECIAL CASO PALOCCI. Política é a alma do negócio

Na mira dos órgãos de investigação, da imprensa e da oposição, o ministro Antônio Palocci vira símbolo da "política empreendedora" do país

Uma breve análise
por Jackson Viapiana

O caso Palocci não se trata exatamente de um escândalo de corrupação, uma vez que não há acusações formais contra o ministro-Chefe da Casa Civil, não há uma testemunha-chave e nem mesmo um material que sirva de prova definitiva de que Antônio Palocci Filho tenha enriquecido ilicitamente ou praticado tráfico de influência. O que há é uma chuva de suspeitas que cai sobre Palocci. Suspeitas que não podem ser ignoradas ou consideradas insuficientes.

Todo indício de crime não é firme como uma prova propriamente dita, mas também não é leve como uma mera suposição. O caso Palocci não se trata de uma soma de invenções ou "achismos", muito menos acusações antecipadas. Mas uma série de suspeitas levantadas a partir de fatos que devem ser apurados e, se não sustentarem, o caso se dará por encerrado. Não há nada a ser desmentido, pelo contrário, há muito a ser bem explicado.

No entanto, as acusações de tráfico de influência e enriquecimento ilícito atribuídas a Palocci não são de maneira alguma novidade na política nacional. Pipocam pelos jornais e sites jurídicos acusações, julgamentos e decisões (geralmente absolvições) de atos e crimes de fraude em licitações, arrecadação de propina, entre outras nomenclaturas que se tornaram normal em nosso vocabulário crítico de política.

E todos esses casos tem uma ligação comum: a corrupção moral do agente público e o uso dessa vulnerabilidade em proveito particular de empresas e corporações. No caso de Palocci, a liberdade para manter negócios à parte enquanto exerce a função pública apenas facilita o diálogo com essas empresas e corporações - e permite abrir uma conta longe dos olhos das autoridades para o depósito direto de dinheiro possivelmente desviado. A política se funde com os negócios.

 


Fortuna. Palocci é suspeito de faturar mais como político do que como homem de negócios
Ministério Público Federal inicia investigação de Palocci; Procuradoria-geral analisa explicações encaminhadas pelo ministro

O Ministério Público Federal (MPF) no Distrito Federal abriu, na última sexta-feira (27), uma investigação para apurar a evolução patrimonial do ministro-Chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, e verificar se, afinal, o ministro fez fortuna por meios ilícitos.


A origem do escândalo está em uma reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, que apurou que Palocci multiplicou seu patrimônio total por 20 entre os anos 2006 e 2010, período em que acumulou as funções de deputado federal e consultor de economia pela sua empresa particular, a Projeto Consultoria Financeira e Econômica Ltda.

De início, o MPF no DF vai apurar, na área cível, se o patrimônio de Palocci é compatível com o rendimento obtido por sua empresa. Se provada incompatibilidade, ele poderá ser processado por ato de improbidade administrativa, que é usar do cargo para obter vantagem patrimonial indevida. O órgão entendeu haver indícios suficientes para abrir um procedimento investigativo preliminar.

O MPF também requeriu à Receita Federal cópias das declarações de imposto de renda e pediu à empresa de Palocci que informe sua relação de clientes e os serviços prestados a eles.

Em paralelo à iniciativa do MPF, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, poderá abrir uma outra frente investigativa, desta vez no âmbito criminal, para apurar se houve tráfico de influência, que é obter para si ou para outra pessoa vantagem indevida durante o exercício de uma função pública, isto é, usar da posição privilegiada no Poder Público para favorecer a si e a terceiros.

Com a repercussão do caso, Gurgel havia cobrado explicações diretamente a Palocci e lhe deu um prazo de 15 dias para se pronunciar. O ministro se apressou e, com uma semana de antecedência, encaminhou documentos à Procuradoria na sexta-feira, mesmo dia em que o MPF abriu a investigação cível.


Gurgel. O procurador-geral não manifestou a mesma disposição do MPF em investigar

Já a Controladoria-Geral da União (CGU), órgão de controle interno do Governo Federal, se nega a abrir uma sindicância (investigação interna) para averiguar o caso.

A decisão contraria um decreto presidencial de junho de 2005, em vigor, determinando que "ao tomar conhecimento de fundada notícia ou de indícios de enriquecimento ilícito, inclusive evolução patrimonial incompatível com os recursos do agente público, a autoridade competente determinará a instauração de sindicância patrimonial".

O órgão argumenta que Palocci não era "agente público" na época em que a empresa Projeto recebeu pagamentos de seus clientes, uma vez que a denominação não se aplicaria a membros do Poder Legislativo. Palocci foi deputado federal entre 2006 e 2010, período em que assumiu os negócios da empresa.

No entanto, a própria Projeto confirmou que a maior parte dos valores foram recebidos na época em que o deputado assumira o cargo de coordenador técnico da equipe de transição do governo, cargo que inevitavelmente o coloca próximo de autoridades do Executivo e lhe dá acesso a informações públicas.

O mesmo decreto de 2005 enquadra a CGU em crime de responsabilidade caso o órgão não encaminhe a investigação do ocorrido. 

Blindagem. No início da semana passada, alguns dos principais quadros do PT se ergueram em defesa de Palocci, em uma articulação estratégica que contou com o reforço do próprio ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para evitar maiores desgastes ao governo.

Lula teria sido chamado para ocupar um "vazio político" em meio à crise, ao advogar em favor de Palocci e ao fazer um serviço de manutenção da unidade do governo. O perfil do tipo "mais gestora que política" atribuído a Dilma foi reforçado em meio ao chamado de urgência de Lula. A responsabilidade "política" do governo Dilma havia sido delegada justamente ao ministro Palocci, pivô da crise. 


Defesa. Lula disse que Palocci é o "Pelé da economia" e que os negócios são normais

A oposição DEM e PSDB, sedenta por novas informações que comprometam Palocci e, de tabela, o governo do PT, aproveita a oportunidade para ganhar os holofotes, sair do buraco político e recuperar o terreno perdido no governo. A coligação caiu em uma crise existencial com a derrota de José Serra nas eleições presidenciais do ano passado e com a desidratação pela qual os dois partidos passam, com fuga de seus integrantes para o PSD (Partido Social Democrático) de Gilberto Kassab.

Após uma série de tentativas frustradas, a oposição desistiu de pedir a convocação de Palocci para depor no Congresso porque teme sofrer novas derrotas impostas pela "ditadura da maioria" governista, segundo palavras da senadora Marinor Brito (PSOL-PA).

Em uma outra frente de ataque, os partidos ainda tentam colher assinaturas para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a vultosa evolução patrimonial do ministro. Além disso, foi a oposição que protocolou representações contra o ministro na Procuradoria Geral da República, que ainda avalia investigar a evolução suspeita do patrimônio de Palocci.

Ao lado de alguns aliados independentes como Ana Amélia (PP-RS) e Pedro Simon (PMDB-RS), os partidos de oposição também pediram que o ministro se afaste do cargo enquanto as supostas irregularidades não forem esclarecidas. O Planalto desconhece os detalhes da consultoria de Palocci, mas busca apoio para impedir a queda do ministro e, como consequência, o fraturamento do governo.

A máxima jurídica "na dúvida, a favor do réu" tem sido a justificativa para a blindagem de Palocci. A afirmação, de fato, serve para evitar pré-acusações ou pré-condenações - fenômeno muito comum nos noticiários -, mas não tira o peso das suspeitas e nem impede Palocci de prestar contas à sociedade. Afinal, como diria a máxima popular, "quem não deve, não teme".

Troca de favores. Durante a mesma semana, a oposição convocou a imprensa para fazer mais uma denúncia. Uma empresa que fechou negócio com Palocci, na época em que prestava serviços de consultoria, teria sido beneficiada pela Receita Federal (RF) com a devolução de impostos feito pelo órgão.

A incorporadora WTorre, suspeita de ter operado também para estatais - o que contribui para as suspeitas de tráfico de influência, isto é, troca de favores - afirmou que a restituição foi um ganho de causa em uma ordem judicial. Mas a oposição alegou que a RF poderia ter recorrido dessa decisão. A RF, por sua vez, rebateu alegando que o prazo para recorrer havia expirado.

Outro indício de tráfico de influência foi o fato das duas ordens bancárias referentes às duas restituições de imposto de renda terem sido emitidas durante o período em que Palocci fazia consultoria para a WTorre e era coordenador da campanha da presidente. A empresa também fez doações às campanhas de Dilma Roussef e José Serra, tendo contribuindo mais para a petista. Tudo é no mínimo suspeito.

A Projeto até agora não revelou sua lista de clientes porque, supostamente, iria "contrariar a cláusula de confidencialidade" firmada em seus contratos, segundo a assessoria da empresa.

Ficha-suja. No último escândalo em que Palocci se envolveu no governo, em 2005, o PT se esforçou para barrar investigações, mas o então ministro da Fazenda caiu por força das acusações de ter emitido ordem de quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa.

Antes do escândalo vir a tona, o caseiro acusou o ex-ministro da Fazenda de partilhar propina com lobistas em reuniões sigilosas em uma mansão, no caso que ficou conhecido como "República de Ribeirão". O dinheiro teria origem em negócios irregulares firmados entre empresários e a prefeitura de Ribeirão Preto, na época sob administração de Palocci. A chamada "máfia do lixo" já estava na mira de investigação do Ministério Público Federal. Mas, com a queda de Palocci em meio às acusações de quebra de sigilo bancário, o escândalo foi abafado.


Escândalo. O caseiro Francenildo dos Santos Costa ficou a ver navios com a absolvição de Palocci

O jornal Folha de S. Paulo divulgou na última semana que a Caixa Econômica Federal (CEF) informou à Justiça que o responsável pela violação dos dados bancários de Francenildo e pelo vazamento das informações à imprensa foi o gabinete do ministro da Fazenda, na época Palocci.

Em 2010, a CEF foi condenada a pagar uma indenização ao caseiro pela quebra de sigilo e hoje recorre da decisão. Palocci foi inocentado em 2009 por falta de provas de envolvimento no caso. Agora, os partidos da oposição decidiram solicitar ao procurador Roberto Gurgel a reabertura do inquérito que investigou o caso.

E é esse longo histórico de suspeitas e negócios mal explicados que deveriam, no mínimo, levar os petistas a se manterem na retaguarda ou desencorajá-los de defender euforicamente Palocci. No entanto, o partido se empenha na operação de blindagem de Palocci, que conta, inclusive, com a presidente Dilma.

"Politização do caso". O ex-presidente Lula, que assumiu a defesa de Antônio Palocci, avaliou que não há nada de estranho no salto patrimonial do ministro, uma vez que considera natural que as empresas se interessassem na contratação de serviços de consultoria da Projeto. Palocci já disse que era sim "bem pago" e que recebia "taxa de sucesso" dos seus clientes.

Cândido Vacarezza, líder do governo na Câmara dos Deputados, afirmou que a oposição quer "embaralhar a discussão política" e que pretende instalar uma CPI, tendo "8 anos que só faz isso [a oposição]". Lula também disse que a oposição está usando o caso para "desestabilizar o governo".

Dilma, que se obrigou a sair do silêncio, disse, por sua vez, que Palocci já presta esclarecimentos necessários aos órgãos de controle e afirmou que espera que o caso não seja "politizado", isto é, usado para fins políticos pela oposição.

De fato, não sejamos inocentes. A oposição faz e continuará fazendo uso das suspeitas de Palocci como arma política, com vista à promoção de seus políticos como 'paladinos da democracia'. Mas o argumento não justifica a contrariedade à convocação de Palocci para depor no Congresso. É dever do agente público prestar contas diretamente à sociedade. Dar cara a bater ao eleitor, seu superior direto, que está acima dos órgãos de vigilância oficiais.

Deixa a mulher trabalhar. Dilma saiu do silêncio e pediu que oposição não faça caso político

"Happy end". De toda forma, o caso Palocci parece seguir para um desfecho à brasileira bem previsível. Proponho aqui uma previsão lógica dos próximos eventos - o que não se confunde com meros 'achismos' ou uma previsão mística qualquer.

O ministro poderá até provar que obteve o faturamento milionário de sua empresa sem praticar irregularidades, supostamente usando de sua boa imagem no governo para convencer empresas a fechar contratos acima do valor de mercado - afinal é Antônio Palocci. Empresas estas que, muito provavelmente, prestaram serviços ao poder público e mantiveram contato com Palocci. Nada mais.

Se assim for, é a exposição na vida pública e os contatos com agentes do mercado obtidos no interior da política que garantem negócios na vida privada, argumentará Palocci. Se a sociedade vê desvio ético nessa situação, deve reclamar por reformas na legislação.

Mas com a divulgação da lista de clientes de Palocci, provavelmente estarão lá empresas que participam de convênios com o Estado e ainda prestam serviços ao poder público. A questão que se levanta é, afinal, esses negócios firmados com o governo foram fechados como troca de favores com Palocci? Contratos caros aqui em troca de contratos caros ali? Aí a investigação guinará a outra direção: as licitações e os contratos públicos.

Palocci cai e a investigação identifica nos contratos que as empresas amigas do ministro foram favorecidas em licitações do governo. E qual será o próximo capítulo? O Ministério Público entra com ação contra as empresas afagadas pelo Estado.

Caso o leitor tenha algum "dejà vú", digo que qualquer semelhança não é mera coincidência.

Uma empresa: a construtora Camargo Corrêa. Uma operação policial: a Castelo de Areia. Uma acusação: compra de licitações com governos de inúmeros Estados do Brasil.

Qual foi o desfecho desse caso? Até agora a empresa investigada por contratos fraudulentos em todo o país se safou e deve ser inocentada nos próximos meses. Esse é o provável fim a que chegará o caso Palocci - que certamente será absolvido de um eventual processo, como foi nas acusação de quebra de sigilo fiscal do caseiro e na acusação de participação na máfia do lixo de Ribeirão Preto.

 
Corrupção. A política é uma profissão lucrativa com direito à bônus


O que já se sabe?

- Os negócios de Palocci no ramo da consultoria foram realizados antes dele assumir o cargo de ministro da Casa Civil, o que impediria a acusação de "conflito de interesse" (quando um parlamentar confunde sua função pública com sua função profissional paralela, utilizando da primeira para promover a segunda)

- Só no ano de eleições (2010), a Projeto teve um faturamento bruto de R$20 milhões, sendo que mais da metade foi obtido após a campanha eleitoral da presidente Dilma Rousseff, quando Palocci acumulou a atividade empresarial com a coordenação técnica da equipe de transição de governo

- A empresa WTorre trabalhou para a Projeto de Palocci e foi beneficiada por uma devolução de impostos feita pela Receita Federal sob efeito de uma decisão judicial que, segundo a oposição, admitia recurso

Quem se preocupa?

- Setores econômicos e financeiros que veem em Palocci a segurança do continuísmo da política econômica dos governos FHC e Lula, com a manutenção das metas de inflação, cortes de gastos públicos e controle do câmbio

- A presidente Dilma Roussef, responsável por indicar Palocci para ocupar o cargo de ministro da Casa Civil e por ter sua campanha eleitoral coordenada por ele; Palocci também é a face política do Palácio do Planalto, já que Dilma tem um perfil gestor

- O Partido dos Trabalhadores vive mais uma crise de credibilidade e cada vez mais se afasta de sua base eleitoral original, a classe trabalhadora


Leia mais:
http://blogentrefatos.blogspot.com/2011/05/empresa-de-consultoria-de-palocci.html

http://blogentrefatos.blogspot.com/2011/05/mais-uma-vez-sob-suspeita.html

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